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“vai ficar tudo bem, deixa comigo”. a frase de um bilhão de dólares que eu nunca ouvi de ninguém. porque sempre depende de mim. não tem proteção, tem eu movimentando meu corpo, cabeça, coração, vísceras, pra tentar resolver as coisas. é um eterno resolver coisas e nunca estar segura. é olhar ao redor e saber que tá por minha conta. não encontrar olhos, braços, abraços, colo. você dá colo mas não ganha colo, é o que grita minha voz interna todos os minutos. eu só queria fechar os olhos e saber que vai ficar tudo bem. que alguém vai cuidar de mim porque eu não consigo cuidar sempre.

quanto tempo se passou? eu nem sabia mais a senha para entrar aqui. foram duas gestações, dois partos, quantas mil noites sem dormir? e to aqui. viva. sozinha. é sozinha que vamos sempre estar. apesar da multidão ocupando o mesmo espaço. hoje foi a segunda manhã seguida de tempo livre, longe de casa, com trabalho só na parte da tarde. sensação mais estranha: o que eu faço com mãos e cabeça livres por tantas horas? porque o corpo já não dorme mais até a hora do almoço. antes das sete já vejo a janela do quarto e brigo com o cérebro pra voltar a dormir. sem sucesso. e aí uma euforia de vida. não quero mais dormir.

 

ninguém sabe o que é antes que possa acontecer. e é como se uma explosão ficasse fazendo barulho ininterruptamente mas como música que embala, que embebeda, que faz flutuar. e continuo sentindo os meus pés no meu coração e minhas mãos. porque o corpo todo sente. porque a cabeça não pensa nada além de: eu te amo. e os olhos deixam as lágrimas fazerem brilhar cada pedacinho de sonho de criança. viramos criança e somos enormes e o tempo só cochicha bem baixinho no ouvido: ele é você. 

faz um século que eu não me sinto assim. e é como se eu pudesse ter de novo o coração na boca só de olhar você passando pela porta. era madrugada e é sempre perto de amanhecer que eu penso nos sonhos que eu invento pra ficar acordada. são todos os clichês que eu joguei pela janela do quarto e que me ridicularizam no espelho do banheiro. não vou ficar me encarando porque não me preocupo comigo. é só um outro ele sendo feliz por perto e me dando força para deixar as obsessões no fundo dos olhos e o caminho de pernas abertas esperando por pura diversão. 

porque você tirando o cigarro do maço com a boca é a coisa mais sexy do mundo.

mandei ampliar a foto da minha vó sorrindo na janela. é pra pendurar na casa nova. tem um peso que é um filho da puta de um urubu grudado na minha nuca. sem excessos de egocentrismo, ninguém apontou pra mim, nem lembrou da minha existência pra meter qualquer tipo de marra. é só uma questão de vida e a merda que ela carrega. eu conheci uns caras que me fizeram abrir a ferida e olhar de novo pra coisa toda que eu tinha encapado com fita de cetim cor de céu. e eu voltei a chorar anos depois. é como se toda criança do mundo se contorcesse em estado fetal dentro do meu estômago. tenho vontade de vomitar durante a reunião do novo cliente. 

eu fiz a pergunta, ele baixou os olhos e contamos quase dez segundos de silêncio. tinha uma câmera ligada, corações apaixonados e o meu sonho gritando por todos os cantos: nunca me senti tão feliz na vida. gravamos quarenta minutos e acabou como se fosse uma receita de bolo mas era aquele bando de nós na garganta. eles seguram a entrega depois do susto. não sei dizer. são apertos de mãos e o desvio dos olhos. alguém disse que era assim. porque de alguma forma foi tão suficiente.

eu tinha desistido porque não ia acontecer mais. acontece que acontece. acontece que as coisas definitivas são só ameaças de covardia. acontece que eu acordei um dia e me vi sorrindo enquanto ouvia o som daquela voz. sabe o que aconteceu? o pior. ele dizendo com todas as letras: o seu problema, o seu problema é sonhar demais. e aí eu tive vontade de rir. rir muito alto e daquele jeito que é como se nada tivesse se passado dentro do coração. e puf, nem começou. porque ele ronca tanto e tem um jeito irritante de tirar `aprendizado` de tudo. pro caralho o que você quer aprender. eu só quero continuar assim: o medo me movimentando.

sabe o que é respirar e pensar:
você era só uma miragem e agora vivo a sua vida?
de trás pra frente, com silêncios como aquele.

porque o fluxo continua.

boas notícias

boas notícias,

chegando pelo telefone
email, blog, facebook, twitter
instagram?
são tantas as possibilidades

ansiedade
vontade de comer os cotovelos
com banana
e caramelo.

inaudível

minhas bochechas me fodem
em vermelho gritante
contrariando olhos caídos
no seu colo, boca, mãos
eu poderia ficar pra sempre
a mulher que não existe
na adolescência tardia
que esquece as melhores palavras
e treme a voz que fala pra dentro:

eu queria ser mais
(do seu tamanho)

da liberdade

quinta-feira fiquei presa no elevador e não pensei em você nos quarenta minutos até o bombeiro chegar. não foi como eu achei que seria, caso tudo acabasse num segundo de queda. acho que não faço mais ideia do gosto que temos durante o beijo. a sua boca não é mais a sua boca, é outra, é a de uma foto, uma foto que não existe, é só uma foto. então eu entrei em aviões de ida e volta. entre as turbulências eu também não pensei em você. eu esqueci como é pensar em você. esqueci como é querer ser você e ter você e respirar você e sonhar com olhos brilhantes o seu você olhando pra mim. no rio de janeiro acordamos e andamos de carro e dançamos felizes com o sol brindando cada segundo de possibilidade. em são paulo tudo é cinza mas eu me apaixono inconsequentemente pela rua augusta e pessoas que passam embaixo da minha janela. eu não me apaixono mais por você. todos os sons tocam na caixinha e me explodem por dentro. eu entro em mim e saio sem você carregando a minha carcaça entre os dentes. isso não é ótimo?

e ainda chove

minha janela é baixa e eu já não tenho ideias absurdas de sair voando por aí. menos de um minuto e tudo acabado. não mais. eu tenho vontade de continuar, de gritar no ouvido dele que ele faz borbulhar o vermelho do meu coração enquanto canta, de subir a augusta e olhar de pescoço erguido a multidão que cruza a avenida paulista, vontade de entrar em aviões, contar segredos na mesa do bar, apreciar copos e mais copos de cerveja como se não houvessem o não, a dor, a falta, a cara de cu da vida quando decidimos não mais desistir. eu tinha correntes que eu cortei fora quando li um texto que ela escreveu no blog. eu tinha sonhos que eu enterrei a sete palmos da terra quando ele gritou histericamente no meio da noite em dia de aniversário. quando eu deito na cama e decido não mais sair do escuro em que me meti, ela me liga e sorri palavras de retomada. sinto falta do que fomos naquelas segundas-feiras.

têm dramas que são só nossos. não adianta ir pra rua e esperar que ele me salve.

por favor, paz

eu quis tanto paz e ela não fica um segundo por perto. é só o que eu tenho pedido, com tanta vontade e tanta consciência e o maior do cansaços: paz. por favor, eu preciso tanto de paz. ela deve existir em algum lugar. vou levantar e tomar um banho pra dormir. são quase três horas da manhã e a máquina que nunca desliga fica fazendo barulhos dentro da minha cabeça. tinha pedido pra esquecer e repeti cem vezes olhando pra parede da sala. contei, foram exatas cem vezes. me esquece também, por favor. vamos viver em paz. é só mais um ano, depois de tantos e atrás de outros. vamos ficar quietos e deixar acontecer. uma vez na vida, eu só quero caminhar, com braços largados, mãos sem punhos fechados, olhar calmo, a bunda mexendo confortável na parte de trás. o amor passa longe e eu sequer penso nisso. to falando de vida real. a minha vida e o que eu quero dela.

coração
PRA CIMA
escrito embaixo
FRÁGIL

(Paulo Leminski)

chegar em casa no último metrô, sentindo o vento frio que estava longe de existir durante a tarde mais quente dos últimos tempos, abrir a porta e esperar que um milagre aconteça pra que você se sinta menos sozinha.

uma foto bonita.
foi lá em 2011 que eu tirei, semana passada.
porque eu quero assim o primeiro post do ano: as coisas bonitas do que passou.
viu, passado, de você, só o belo. o resto é esquecimento pleno.

pode acabar

tenho pensado em listas:
melhores, piores
livros, filmes, músicas,
sentimentos,
o ano estranho que eu não sei definir.
tantos planos
nos olhos
mirando segunda-feira,
dois mil e doze.
e um otimismo
que me avermelha as bochechas.

cumpleaños

hoje: vinte e sete anos
todos eles achando que a pisada era firme
peito estufado
cagando de medo.

peguei o último trem do metrô, a estação ficou escura, minha cabeça não para, não durmo há três dias, preciso tomar banho. de óculos os olhos ardem menos e posso ver embaçado quando a água do miojo ferve. é sempre bom pensar que ao enxergar borrado passo pro cérebro a mensagem da imperfeição. somos a prepotência do não erro. fico ansiosa pela notícia que não chega. lembra o que o cartomante disse? queria ser um filme que um poeta seria incapaz de fazer. todas as pessoas são ansiosas e não conseguem ser suficientes? antes eu não tinha interrogações entre as linhas. se eu pudesse desligar por alguns segundos, se eu pudesse esquecer, se eu pudesse desacelerar e andar como se não soubesse pra onde, se eu pudesse, eu entraria numa piscina de bolinhas e passaria o dia contando as brancas. tenho olhos que se encantam com a quantidade de cor. tenho dedos que se encantam com o cinza. tenho tempo.

por que é tão difícil? enquanto eu descia sempre pensando no aperto da volta, olhava a lua lá de baixo, olhos dentro de capacetes, a nuca respirando, costas enchendo d`água. e a lua me acompanhando. tenho sempre algo que me diz: vai! e eu vejo música, canto, ouço poesia, falo palavras ritmadas dentro da cabeça, vou.

continuo olhando a ansiedade no espelho então me antecipo para comemorar um ano do presente que me encheu de brilho os olhos no ano passado. não sei que dia foi. sei que foi antes, uma semana, talvez, dia dez, talvez, trezentos e sessenta e cinco dias completos: comemoremos.

ela que me deu duas das coisas essenciais na vida:
uma bunda
a liberdade.

(agora tinha que vir a foto, uma bicicleta linda, toda preta, minha!, do nosso tamanho) 

eu só queria uma notícia boa
dessas que reanimam
aceleram o coração
bombeiam o sangue
avermelham e deixam o rosto vibrante
enchem de brilho a bolinha do olho

te proponho:

vamos tirar férias?
eu do meu corpo e você da sua cabeça?
fica combinado.

eu,
uma cabeça perambulando por aí de mãos dadas com a sua.
e você,
você pode ficar com o meu corpo.

meu corpo não fala
meu corpo não te escreve
meu corpo cabe certinho embaixo de você.

te amo no meio da tarde no tempo errado

de metades

agora tem outro projetinho, as fotos da laura, meus textos, algo no que pensar:

Aqui: demetades.tumblr.com

era domingo
tinha uma panela de macarrão
vinho branco
controle remoto só para tv

era domingo e não era hoje

eu não tenho nada pra contar: digitei seu nome sem querer numa conversa no gtalk. era uma palavra que começava com a mesma letra. vou te contar meu pedido que falo tanto. você guarda segredo? hoje tinha um cara alto na feira, comendo pastel com a filha pequena. ela tinha um guarda-chuva desses com orelhas de bicho, sabe? por que será que criança gosta tanto de guarda-chuva? eu gostava de desmontar carrinhos de controle remoto quando era criança. montar que era sempre o problema. não entendeu meu pedido, né? prometo que te conto. com todas as letras. se você me prometer nunca mais parar de ser você.

14h12

a solidão: o prato mais suculento da bandeja sendo servido para pessoa ao lado. acho que era miami, e eu olhando sua foto no anexo do email. congratulations, você é literatura! temos olhos que não cheiram bem. shuffle: as músicas certas escolhidas a dedo sem você precisar usar o cérebro e as lembranças e aquela cena linda de cabelos desgrenhados, o braço direito se levantando e o dedo coçando atrás da cabeça – o quase sorriso, sobrancelhas, língua -, tenho mania de beleza com quem não tem as manhas de reparar a verdade que o espelho mostra. ainda bem. quando eu parar de crescer, quero ser como você, mãos grandes e mentiras seguras a cada segundo. quando o silêncio deixa. sabe o ano passado, sabe aquele dinheiro que gastaríamos em quartos de hotel, sabe os quadros pendurados sobre as camas? tem campeonato de novo. você ganha e gasta com ela. congratulations, você e ela são literatura! tinha um outro que me comparava a alguém que exclamava sem usar pontos de exclamação. mudamos. e eu sonhei com você, o tal outro, sonhei que corríamos pelados no meio de um temporal. mentira. isso é cena de cinema. eu não lembro o que sonhei. tinha você e tinha eu. o resto é aquilo que perdemos quando acordamos, uma vida paralela muito mais possível, sem autocontrole, sem a vergonha por nunca ser. a solidão: a cereja que enfeita o topo do pedaço de bolo e sobra no prato no final.

contagem regressiva.

são todas essas músicas dentro da minha cabeça. minha paz e meu desespero num mesmo lugar.

você sai despretensiosamente no meio da tarde pra uma sessão de cinema e acaba com o mundo dando piruetas sobre a sua cabeça. eu saio pra ser do maior tamanho possível entre guitarras, amigos e uma garrafa de whisky. a noite nunca acaba dentro das histórias que você vê de olhos muito abertos de baixo pra cima. eu, no topo, brincando com a eternidade. você brindando à melhor coisa que já sentiu nos tantos anos de fragilidade perfeitamente disfarçada de coragem e coração batendo na ponta dos dedos. se eu te olhar aqui de cima, você vai acreditar em presente sem passado? ninguém percebe nada. quantas palavras tem uma letra de música que nunca será minha?

não me reconheço em tantos lugares. vou ficando vermelha e pedindo desculpas por não me enquadrar. é sempre começando pelas bochechas vermelhas, olhos brilhantes e mãos que viram garrafas de cerveja incontrolavelmente. é tanta culpa, medo, solidão. um buraco que me engole e cospe pra dentro.

posso sumir agora?

.

.

.

.

.

.

.
me trancar num quarto escuro e não falar com absolutamente ninguém. desligar a eletricidade. não dormir pra não ter falas de sempre nos sonhos. um silêncio por, sei lá, quarenta e oito horas.

encher vidrinhos de esmalte numa fábrica qualquer de uma cidade pequena qualquer. com uma toca na cabeça, luvas nas mãos e nenhuma ideia nos olhos.

outro dia eu olhando ele cantar e pensando: obrigada por não ter morrido
ontem finalmente acabando o dia inacabável em lembranças e ele me salvando outra vez.

porque eu deveria apenas dizer: tudo é o que eu sinto naquela hora

(não importa a hora do acordar no dia seguinte ou do acordar a todo instante)

e se eu não fizer mais nada? quantas vezes já tentei não fazer nada. ficar parada, sem me mexer. ou então, mexendo muito, a cabeça lotada de ideias, sem espaço pra pensamentos. então não acontece nada. eu tenho acordado e pensado: ufa, não fiz nada. é um alívio covarde. mas ainda assim, um alívio. a coragem que eu achei que tivesse foi atropelada pela cara que eles fazem quando me encontram. sou tão pequena e tão dependente. ainda assim sento a bunda todo dia no mesmo lugar e acredito em céus do tamanho de universos. no plural. acreditar não é bem a palavra. deixei de acreditar em mim há tanto tempo. acredito em espaço, tempo e sorte. ou falta de. tanta falta que me assusto pela manhã quando olho pro nada perto da porta. desde pequena encaro o nada com um medo que parece um tambor tocando sem parar, alto só de madrugada, dentro do coração, pulmão, estômago. qualquer parte que eu nunca sei qual é. queria não falar algo bem bonito que chegasse perto do ouvido dele. como um toque. só mais uma vez. e aí dormir. um sono bem pesado que aceitasse e não tivesse mais pânico de lembrar. vou tatuar assim: longe pra cacete

e

vem?

o tempo tá correndo de um jeito que parece feito sob encomenda. um tempo que não dá tempo de lembrar. e a agenda cutucando o cérebro enquanto durmo. tenho sonhos que não fazem o menor sentido. e aí eu saí no final da tarde pra almoçar. voltei com uma garrafa de champanhe. era como se eu tivesse olhando as prateleiras  no supermercado e alguém me dissesse: compra que você terá o que comemorar. lembrei da minha irmã, que diz pra preparar o terreno pra atrair as coisas. eu só tenho um pedido há tanto tempo. o mesmo pedido de todos os dias. eu fechei os olhos e pensei nele. um pedido feito com letras, som, cheiro e imagem. quando ele vier, teremos champanhe gelado.

eu podia não saber nada sobre ele. mas eu sinto que sei. e me perco em tanto desejo e coragem logo seguida de um medo pavoroso. não, não é medo, é algo como: não preciso dizer nada, eu sei que você sabe. e não é nada, um segundo depois. e é tudo todos os dias. fico pensando em dormir, porque eu sempre sonho com ele.

tinha um trator no meio da rua e pedras enormes por todos os lados. eu levantei e pisei na água que vinha por baixo da porta. o elevador em curto por causa da água. meu pé tocando o chão agora de verdade com força de quem não aguenta mais o choro de criança durante a noite. tenho vontade de dormir de verdade. acordar de mentira. e caminhar por caminhar. agora só trabalho com sonhos gigantes, monumentais. a luz logo na entrada do túnel. porque têm pessoas que nascem sem saber esperar e se enroscam nas próprias pernas, mãos e sonhos. quem não sabe aguentar o dia seguinte, melhor deixar de sonhar. ele disse: o seu problema? seu problema é que você sonha demais. não parecia certo alguém falar dessa forma. então fica claro. e abaixo a cabeça com olhos envergonhados. levantei tarde da tarde e fui ao cinema. fico constrangida com tanta esperança que me nasce, transborda, enquanto perco olhos, ouvidos e olfato dentro do cinema. como enquanto vejo eles tocando no pequeno palco, de olhos vidrados, meus neles, deles nas guitarras, pratos. vou deixando meus demônios pelas madrugadas observada por pensamentos de: ela veio sozinha? sozinha. eu canto sozinha no chuveiro. bem alto lembrando de peles e pintas em formato de coração embaixo do pescoço, no peito, um pouco pra cima, do lado esquerdo, nos meus dedos da mão direita, que tocam e guardam a sensação. até quando um corpo aguenta uma saudade? coloquei toalhas embaixo da porta da sala. não entrarás mais o que não tiver convite de olhos brilhantes dizendo baixinho e tímido: entra, fica, somos tudo você.

fica em casa
e olha a chuva pela janela
molha tudo
e começa de novo

eu tinha um aviso na porta: se não quiser ficar, não entre.

uma lembrança errada
do tamanho de uma grande rede de lojas
que não pára de passar na televisão

podia pelo menos ser uma marca menor
sem comerciais na televisão

desliga!
vou pra rua
se desliga

tem sorriso e frio na barriga
vendendo na padaria

corações

o mario voltou a escrever no blog. e tem isso que ele diz no meio de tudo: “era imperativo que a gente envelhecesse logo porque ainda não inventaram nada que possa parar um coração inconsequente. E eu não acredito mais em corações que ponderam”. sabe, eu também não acredito.

assim:

uma noite daquelas, que você senta na porta de um lugar que nunca nem pensou pisar e não espera que aconteça o que acontece. porque você não tá num filme maluco do woody allen. você tá quieta, cheia, lotada de algo que não se sabe ao certo o nome. então ele aparece: você! eu sorrio e convido para sentar ao meu lado. não sei bem como as palavras acontecem. tenho sabido menos e menos como as coisas acontecem. mas elas acontecem. tem um beijo no final. e é disso que eu to falando. um beijo que diz assim: fica, fica, não sou capaz de falar motivos, mas, fica. e fomos embora.

o assunto é o meu pé. do umbigo para o pé é um pulo. uma piscadela num instante qualquer. e eu ali, subindo escadas, numa perna só, nos ombros de alguém, quase caindo, de novo de pé. e a minha vida dando piruetas fora do palco. me tirei do palco e de repente os artistas ficaram tão interessantes. aqueles de antes e os novos. jogar sinuca é improvável, não consigo o equilíbrio. jogar conversa fora, guardar segredo, fazer piada da dor e da fuga e fingir que durmo tranquilamente sem nenhum sonho com você, consigo, meu equilíbrio acontece antes e depois do álcool. durante, eu meto mesmo os pés pelas mãos. nesse caso: um pé valendo por cem. os nossos pés cruzados, um sim, um não, em cima da cama, de frente, de bruços, o corpo todo pesando sobre o meu. feito música. deitada enquanto a vida corre lá longe, eu penso em nada. pensar em nada é um objetivo alcançado. dou pulinhos até segunda-feira, pra agradecer.

eu já te disse que consigo?
sim, eu consigo.

me segura?

os ventos:
tenho pânico

vamos sentindo a mudança
as turbulências
a volta
a solidão
o desespero
dar um passo pra trás
e outro
depois outro
sempre a volta
ao centro do nada

eu:
o nada

eu pensei assim: o que você gosta mesmo é de ser abraçada no meio da noite.

uma pessoa ansiosa sozinha em casa toma cerveja e ouve música e conversa no facebook e não consegue ficar parada nem com o pé quebrado. de pulo em pulo eu chego na minha cama. e quase durmo. agora é de manhã, é primavera, é sexta-feira, é é e é. e ponto. passou. a montanha russa chegou ao chão. e eu passei o trajeto todo com as mãos pro alto. porque eu não aprendo: arregalo os olhos e não seguro em nada durante a queda.

sabe quando o coração fica palpitando assim de um jeito que você não sabe parar e não quer parar?
e dá vontade de gritar e dá vontade de sorrir e você canta bem alto
(apesar do pé quebrado)
um dia ainda vou entender que não é ‘apesar de’, é ‘devido ao’
coisas dessa coisa que chamamos: vida
 

tem um carinho que não tem nome que represente a real beleza. ela aqui cozinhando pra mim. eles aqui bebendo e arrumando o lugar pra apoiar o pé. as flores ali no alto, não vou conseguir molhar. ela limpando cada pedacinho de chão. ele lembrando daquele texto tão bobo e bonito que escrevi quase em outra vida. ela abrindo o vinho. ela telefonando e comprando remédio e pedindo pizza e resolvendo tudo. ela perguntando quando será o dia que vai cuidar de mim. eles cuidando de mim. o carinho sem nome, porque é muito mais. é o tudo. o céu e a água que me fizeram nova resgatando a velha sendo nova, outra, uma espécie de carinho sem nome ganhando corpo. e andando. e, porra, nunca mais aquilo, prometo. a janela ali, não tem mais desespero.

ele disse assim: fecha o vidro
e gritou dentro do carro
posso gritar?, eu perguntei
e ele abriu o vidro
o medo todo se dissolvendo no vento
a mão dele pequena
a minha mão ainda menor
um beijo lindo embaixo do lençol

ei, tempo: corre!
corre muito.
quero ir junto, com os dois pés, tenho pressa.

e a voz diz:
calma, calma,
cal-
ma.